? DINA TERESA ROCHATE DA SILVA ? UNIVERSIDADE DO ALGARVE DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS E MEDICINA Licenciatura em Ciências Biomédicas Monografia do Curso de Ciências Biomédicas sob a orientação do Professor Doutor Aureliano Alves FARO, JULHO DE 2011 ?O sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo? Winston Churchill Índice Agradecimentos?????????????????????????.?i Resumo???????????????.??????????????ii Abreviaturas?????????????????????.?????...iii 1. Introdução ............................................................................................................. 1 Vanádio: História, Primeiros estudos na biologia, Produção e Utilização..... 2 1.1. Química, Bioquímica, Biologia e Metabolismo ............................................. 4 1.2. Objectivo ........................................................................................................ 7 1.3. 2. Diabetes mellitus ................................................................................................... 7 Diabetes mellitus tipo 1 .................................................................................. 9 2.1. Diabetes mellitus tipo 2 .................................................................................. 9 2.2. Insulina: Estrutura, Função e Mecanismo .................................................... 10 2.3. Stress Oxidativo e Diabetes.......................................................................... 12 2.4. 3. Toxicologia e efeitos terapêuticos de vanádio .................................................... 13 Vanádio e Diabetes: Mecanismos de acção ................................................. 17 3.1. 4. Conclusões e Perspectivas futuras ...................................................................... 25 5. Referências ......................................................................................................... 27 i AGRADECIMENTOS Ao Professor Doutor Manuel Aureliano Alves, meu orientador, pela oportunidade que me concedeu na realização deste projecto, pela orientação e conhecimentos que me transmitiu e sobretudo, pela amizade. Ao corpo docente da Licenciatura em Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve, por tudo o que me transmitiram ao longo destes três anos de curso. À Conceição José, secretária do Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina, pelo seu trabalho e dedicação, pela sua ajuda imprescindível e pelo seu grande sorriso paciente durante estes três anos de curso. Aos meus pais, sempre presentes, que sempre lutaram por mim e comigo, a eles devo tudo o que sou hoje. Obrigado por todo o amor e apoio incondicionais, por toda a confiança e por me ajudarem a concretizar todos os meus sonhos. À Ana e ao João, os melhores irmãos do mundo, que desde sempre me acompanharam, por todo o amor e amizade, por todos os conselhos e opiniões, por toda a garra e confiança. Ao Nuno, por todo o carinho e amizade, e principalmente neste último mês, por todo o apoio e paciência. Aos meus colegas e amigos de Universidade, em especial ao Bruno, à Filipa, à Mónica, ao Rúben e ao Bernardo, pela sua presença na vida académica, nos bons e nos maus momentos, pelas muitas horas de trabalho e estudo, diversão e convívio, por todo o apoio e pela grande amizade. A todos os elementos da Real Tuna Infantina, tuna mista da Universidade do Algarve, em especial aos que me acompanharam nestes dois anos de música, convívio e academia. A toda a família ERASMUS e a todos os que enfrentaram e partilharam comigo as aventuras desta experiência, nos bons e nos maus momentos que passei em Barcelona. ii RESUMO O vanádio foi descoberto em 1802, e hoje é estudado devido aos seus efeitos biológicos e fisiológicos. Por este motivo, tem sido aplicado em vários estudos bioquímicos, biológicos, toxicológicos e terapêuticos, revelando inúmeras propriedades biomédicas e efeitos terapêuticos. Os seus efeitos biológicos são variados e controversos pois apresenta uma química bastante variada e extremamente complexa. Este elemento é conhecido por apresentar efeitos tóxicos, contudo, possui vários efeitos benéficos, sendo que existem seres vivos para os quais os seus compostos são essenciais ao organismo. Como agente terapêutico, tem acções como: antidiabético, anticancerígeno e reversão da resistência de microrganismos a drogas. O efeito terapêutico que tem sido mais descrito é a sua capacidade insulinomimética, pois verificou-se que promove o aumento de acumulação de glicose, a diminuição da lipólise, entre outros efeitos. A população com diabetes constitui actualmente cerca de 150 milhões de pessoas no mundo e a OMS prevê a duplicação deste número por volta de 2025, sendo por isso considerada ?A doença do século XXI?. A diabetes é uma síndrome caracterizada por hiperglicemia devido a uma deficiência absoluta/relativa e/ou resistência à insulina e, pode ser classificada em diabetes tipo 1 e diabetes tipo 2. Actualmente não existe cura para a diabetes, por isso, a investigação nesta patologia constitui um esforço mundial. O mecanismo de acção de vanádio, como insulinomimético, ainda não foi totalmente elucidado, embora sendo reconhecido que o seu modo de acção passe pela inibição das PTPs (Protein tyrosine phosphatase). Contudo, recentemente surgiram outros possíveis mecanismos de actuação, dependentes ou independentes da acção de insulina. Uma vez que a utilização de compostos de vanádio exerce uma acção terapêutica eficiente, vários novos complexos têm sido sintetizados e testados na sua acção antidiabética como na sua acção anticancerígena. Estudos in vivo, em animais e humanos, mostraram o efeito insulinomimético de vanádio e dos seus compostos. Até ao presente, o estudo de vanádio e a investigação dos seus efeitos biológicos e terapêuticos, já conta com mais de 100 anos de experiências. No entanto, o mecanismo intracelular exacto e/ou mediadores envolvidos nas acções do vanádio ainda não estão totalmente elucidados. Ainda assim, o interesse no seu valor terapêutico tem vindo a aumentar e as perspectivas futuras apontam para a grande aplicação no tratamento de diabetes, através do estudo dos efeitos de novos complexos com maior potência, maior especificidade e menor toxicidade. iii ABREVIATURAS ATP ? Adenosina 5?-trifosfato ATPase ? Adenosina 5?-trifosfatase NADH ? Nicotinamida adenina dinucleótido (reduzida) Pi ? Fosfato inorgânico ou ortofosfato M ? Molaridade (mol/L) PTK ? Proteína tirosina quinase PTP ? Proteína tirosina fosfatase IR-PTK ou IR ? Receptor de insulina (proteína tirosina quinase) IRS ? Substrato do receptor de insulina GLUT-4 ? Transportador de glicose tipo 4 OMS ? Organização Mundial de Saúde Ob/ob ? Modelo animal com mutação no gene ob Db/db ? Modelo animal com mutação no gene db SH2 ? ?Src homology region 2? MAPK ? ?Mitogen-activated protein kinase? ERK ? ?Extracellular signal regulated kinase? STZ ? Streptozotocina HIV ? Vírus da imunodeficiência humana NaMV ? Metavanadato de sódio VS ? Sulfato de vanadilo BEOV ? ?bis(ethylmaltolato)oxovanadium(IV)? BMOV ? ?bis(maltolato)oxovanadium(IV)? SAO ? ?sensitive amine oxidase? SSAO ? ?semicarbazide(SCZ)-sensitive amine oxidase? VAP-1 ? proteína de adesão vascular 1 1. Introdução O vanádio é um metal sólido à temperatura ambiente, encontrado na crosta terrestre e também presente em seres vivos [1]. Foi descoberto em 1802 e, em 1899 surge o primeiro relatório dos seus sais, usados como metaloterapêuticos [2]. Adaptados à sua época, Lyonnet e os seus colegas, primeiro testaram a suposta nova droga neles próprios e só depois em 60 pacientes, em que apenas três deles eram diabéticos [2]. Cento e doze anos mais tarde, contando já com um ensaio clínico de Fase I e um de Fase II incompleto (Fase IIa), a investigação neste metal foi muito desenvolvida, com uma crescente evolução de conhecimentos [3]. Contudo, ainda muito está por elucidar e descobrir, nomeadamente os mecanismos precisos pelos quais o vanádio induz os seus efeitos tóxicos e terapêuticos nas células. Este metal tem revelado inúmeras propriedades biomédicas uma vez que interactua com inúmeros mecanismos bioquímicos e fisiológicos [4]. Contudo, sabe-se que este elemento tem uma forte acção inibitória em estruturas e sistemas biológicos [5]. A importância biológica dos compostos de vanádio tem vindo a ser enunciada por vários investigadores, principalmente pela sua interacção com as proteínas, sistemas enzimáticos e constituintes celulares. Estes compostos integram um conjunto de novas drogas terapêuticas que têm vindo a ser apontadas com tendo um grande potencial para o tratamento da diabetes, pela sua acção insulinomimética e antidiabética [6]. Uma revisão do conhecimento das propriedades deste metal e o entendimento do seu mecanismo molecular na célula, permitirá uma melhor compreensão da sua toxicidade e efeitos terapêuticos, principalmente na diabetes mellitus, uma patologia endócrina com graves implicações a nível da saúde pública [1], e com grande importância e prioridade na investigação mundial. 2 Vanádio: História, Primeiros estudos na biologia, Produção e Utilização 1.1. Em 1802, Andres Manuel del Rio (1764-1849), um professor de mineralogia na escola de minas no México, descobriu que um mineral condutor castanho da Mina Cardonal em Hidalgo, continha o que pensou ser um novo metal semelhante ao crómio e urânio. Primeiro chamou-lhe de Pancrómio; por causa das cores dos seus sais, mas, mais tarde alterou o nome para eritrónio (vermelho), em alusão à cor vermelha dos seus sais quando tratados com ácidos. Quando Baron Alexander von Humboldt visitou o México em 1803, Rio deu-lhe vários exemplares do metal condutor castanho com uma cópia dos seus experimentos, a fim de que ele talvez pudesse publicá-los. Contudo, o pedido de del Rio para a descoberta foi em vão pois as notas que entregou a Humboldt perderam-se num naufrágio [1]. Em 1831, Nils Gabriel Sefstrom (1781-1845) descobriu um novo elemento vindo dos minérios de ferro, de Taberg, Suécia, ao que nominou vanádio, um cognome para Vanadis, a legendária deusa do norte da beleza, em reconhecimento da riqueza das cores dos seus derivativos [7,8]. Depois de Sefstrom ter anunciado a sua descoberta de vanádio, F. Wohler reanalisou o metal que Del Rio enviara para a Europa, através de von Humbolt, e foi capaz de mostrar que o metal realmente continha vanádio em vez de crómio. Até ao final do século XIX, a maioria do vanádio com uso comercial foi obtido como subproduto de prata e de outros minérios em Espanha e México. O primeiro grande depósito comercial de vanádio foi descoberto em 1905 no Peru. Até cerca de 1920, o depósito peruano representava a maioria da produção mundial deste elemento (Mellor, 1952). A observação inicial da ocorrência de vanádio no solo foi feita por Beauvallet (1859) [1]. Em 1911, Henze1 detectou pela primeira vez, níveis altamente elevados (até 10%), no ?sangue? de ascidians. As células (chamadas vanadócitos) são caracterizadas pela sua forma única, a sua cor esverdeada in vivo, as suas fortes propriedades redutoras e a sua acidez. A importância fisiológica das observações de Henze foi confirmada por Hecht (1918) e Webb (1939). Em 1976, Prestley descreveu que o vanadato de sódio era intensamente tóxico para pombos, porcos da Guiné, coelhos, gatos e cães. Observou também que um abrandamento e enfraquecimento da acção cardíaca eram acompanhados por uma descida na pressão sanguínea. Para além de outras contribuições na toxicidade de vanádio, em 1912, Jackson descreveu que o maior efeito de vanádio 1 Em 2011 comemoram-se os 100 anos das importantes descobertas de Henze 3 era induzir vasoconstrição intensa no baço, rim e intestino, com aumento na pressão sanguínea. Em 1917, Proescher et al. conduziu estudos intensos da toxicidade de vários sais de vanádio, em animais de experimentação grandes e pequenos e afirmou que injecções intramusculares e intravenosas de hexavanadato de sódio eram efectivas na cura para a sífilis [1]. O vanádio entrou para a farmacopeia da cultura europeia pouco tempo depois de ser descoberto (Rockwell, 1879). Nos anos 20, vários sais de vanádio eram apregoados por vários médicos franceses como sendo remédios milagrosos. Por exemplo, o metavanadato de sódio, em doses até 5 mg em 24 h, era considerado benéfico no tratamento de anemia, tuberculose, reumatismo crónico e diabetes. (Lyennet et al. 1899; Laran, 1899) [1]. Existem poucos minérios nos quais o vanádio pode ser recuperado economicamente como produto único. A maioria da produção de vanádio vem como subproduto e co-produto na extracção de outros elementos como ferro (Fe), fósforo (P) e urânio (U). Cerca de um terço das fontes de vanádio estão localizadas em África ou na América do Norte e, cerca de 24% são encontradas na Europa e menos de 4% são encontradas na Ásia e América do Sul. A África do Sul é a maior produtora a nível mundial de vanádio e detém cerca de 50% da produção global. Outros países produtores incluem a Rússia, China e Estados Unidos [1]. O vanádio é utilizado em diferentes indústrias, sendo principalmente usado como agente metalúrgico, terapêutico e catalisador. Tem várias aplicações, tais como o uso de óxidos de vanádio e vanadato; a produção de vidros de vários tipos e cores, nomeadamente em janelas e lentes de contacto, para reduzir a transmissão da radiação ultravioleta; o uso de sais solúveis em insecticidas, fungicidas e fertilizantes; o uso na produção de ímanes, pois melhora a qualidade magnética de alguns metais e o uso na indústria nuclear, devido à sua resistência estrutural e secção transversal em neutrões [1]. 4 Química, Bioquímica, Biologia e Metabolismo 1.2. O vanádio é um metal de transição do grupo Vb da tabela periódica, sólido à temperatura ambiente e apresenta uma coloração prateada. São conhecidos cerca de 70 minerais aos quais o metal se encontra associado, nomeadamente óxidos de vanádio ou vanadatos, a urânio, cobre, chumbo, zinco, fosfatos, titânio ferroso e outros [6]. Os meteoritos contêm uma pequena quantidade. Este elemento pode assumir diferentes números e geometrias de coordenação, que podem ser alteradas, mediante simples variações de pH, concentração ou da quantidade de agentes oxidantes, redutores, e quelantes presentes. Em solução aquosa, a sua configuração electrónica atribui-lhe uma química bastante vasta e extremamente complexa, pois existem diferentes estados de oxidação (-1 a +5) [9]. Contudo, neste tipo de solução, os estados mais comuns e estáveis variam entre V a II, apresentado uma diversidade de colorações diferentes de acordo com o estado de oxidação. Ocorre como vanadilo (VO2+) abaixo de pH 3,5 e, em soluções básicas, a sua forma predominante é ortovanadato (VO4 3 -) [8,9]. Em soluções neutras o vanádio ocorre como H2VO4 -. Os estados de oxidação com importância biológica são essencialmente V(V) (forma de vanadato), associado às haloperidases e este estado possui um elevado efeito inibitório das fosforilases; V(IV) (forma de vanadilo) e V(III) (forma vanádica). Pode também existir sobre as formas de V(II) a V(IV) nos clusters de algumas proteínas, sendo que outros estados são menos comuns na biosfera [1,10]. Grande parte da actividade biológica dos compostos contendo vanádio, em seres humanos, está associada aos vanadatos. A pH fisiológico, o V(IV) é oxidado a V(V), pois o V(IV) apenas é estável em meios acídicos. Nas células, o V(V) é reduzido por compostos como o ácido ascórbico, glutationa e cisteína, para depois ser excretado. Este estado de oxidação (V(V)), é análogo estrutural e electronicamente ao fosfato, com reacções de protonação bastante semelhantes [6]. As soluções aquosas de vanadato consistem numa mistura em equilíbrio de diferentes oligómeros de vanadato (Fig. 1). Assim, o vanadato reage espontaneamente consigo mesmo para formar uma variedade de oligómeros. Além disso, pode condenar-se com fosfato ou formar complexos com várias moléculas de interesse biológico ou químico. Embora muitas vezes não consideradas, as espécies oligoméricas de vanadato, também afectam a actividade das enzimas [6,9,11]. 5 Figura 1: Espécies de vanadato em solução aquosa: oxovanadatos [9]. Existem seres vivos que acumulam compostos de vanádio, de uma forma essencial ao seu organismo, nomeadamente os tunicados (espécies ascidians) e alguns cogumelos Amanita (dos quais foi isolada a amavadina), em células sanguíneas denominadas por vanadócitos. Os tunicados acumulam vanádio numa forma reduzida, V(III), e em concentrações que chegam a atingir 1 M, capturando-o nas formas H2VO4 - ou HVO4 2-, que estão biodisponíveis na água do mar. Estes são incorporados em vacúolos, os vanodóforos [6]. O interesse de vanádio como agente terapêutico, re-surgiu na décadas de 70 e 80, com a descoberta dos efeitos do vanádio nas P-ATPases e como insulinomimético [1,4,5,9,12,39]. O vanádio é parte integrante de algumas enzimas, sendo co-factor das haloperoxidases (enzimas que catalisam a oxidação de haletos) e nitrogenases, (enzimas importantes do ciclo do azoto que catalisam a conversão de N2 a NH3, sendo assim responsáveis pelo ciclo do azoto) [6]. O vanádio interage ainda com outras enzimas: enzimas que catalisam a hidrólise de ATP; ATPases, por exemplo, translocadoras de iões (Na+,K+ e Ca2+,Mg2+ -ATPases); enzimas dependentes de cálcio; tirosina quinases (PTKases) e fosfatases (PTPases); receptor de insulina; enzimas de transferência de grupo fosforilo (PO3 -) (aldolase, enzimas do ciclo de Krebs, enzimas do metabolismo lipídico, fosfatases fosfatidilinositol, enzimas de proteólise). 6 O vanádio está normalmente presente em concentrações muito baixas em todas as células de animais e plantas, apresentando propriedades benéficas a baixas concentrações e sendo por isso considerado um elemento essencial para o Homem. No entanto, uma vez que o seu metabolismo ainda não está suficientemente elucidado, tem vindo cada vez mais a despertar atenções como potencial agente terapêutico e muitos estudos in vitro e in vivo têm vindo a clarificar algumas hipóteses sobre o seu mecanismo de acção [7,12]. As actividades fisiológicas e bioquímicas no corpo humano necessitam de uma quantidade de vanádio total que varia entre 100 a 200 ?g [1,35]. Estudos indicam que o consumo diário deste elemento é de cerca de 10 a 60 ?g diárias [4,7], principalmente vindo de pimenta preta, sementes de endro, cogumelos, salsa, marisco e espinafres, que contêm entre 0,05 e 1,8 µg vanádio/g [13,14]. Vários micronutrientes têm efeitos benéficos na saúde de indivíduos [15]. O metabolismo perturbado de alguns micronutrientes pode ter papéis específicos na patogénese e progresso de doenças [16]. Já foram descritos vários metais alterados e relacionados com várias patologias, como por exemplo; os metabolismos de ferro (Fe) e manganês (Mn) estão modificados na anemia [17]; o cobre (Cu) e o zinco (Zn) apresentam-se alterados numa situação de stress [17] e o vanádio (V) na diabetes [15]. A absorção e distribuição dos compostos de vanádio dependem do ritmo de entrada e da solubilidade dos derivados de vanádio nos fluídos corporais biológicos. A absorção do vanádio tem lugar através de diferentes vias: inalação e tracto gastrointestinal (vias principais) e pele (menor ou nenhuma entrada em humanos) (OMS 1988). Os compostos de vanádio são caracterizados pela baixa taxa de absorção, pelo sistema digestivo; reduzindo assim os efeitos toxicológicos. No estômago, muitos dos complexos de vanádio são transformados na sua forma catiónica, vanadilo, (vanádio (IV)), sendo absorvidos maioritariamente pela mucosa intestinal, seguindo para a corrente sanguínea, onde cerca de 90% é transportado pela transferrina ou albumina, estabilizando assim os complexos que se oxidam espontaneamente, originando aniões vanadato (vanádio (V)) [1,18]. O transporte membranar de ambas as espécies não está clarificado, no entanto, sabe-se que as espécies de vanádio são distribuídas pelo corpo e posteriormente acumuladas essencialmente nos ossos, fígado, baço e rins. Experiências com animais apresentaram a seguinte ordem de retenção: osso > rim > fígado > baço > intestino > estômago > sangue > pulmão > cérebro [1]. Em 1981, pensava-se que a maioria do vanádio era excretada nas fezes, hoje sabe-se que este composto é 7 rapidamente excretado através das vias urinárias [7]. Uma vez no interior das células, o vanádio sofre reacções de oxidação-redução com compostos, por exemplo a glutationa, catecol, NADPH, NADH, cisteínas, ácido ascórbico, reduzindo-se a V(IV). Cerca de 98% de vanádio na célula está na forma V(IV). Quando oxidado, podem originar-se oligómeros, tal como foi referido anteriormente, que interactuam com proteínas, formando complexos que podem alterar a proliferação, diferenciação ou o metabolismo celular. Um exemplo desta interacção é a ligação destes oligómeros ao centro activo das enzimas, substituindo o fosfato, provocando uma alteração na acção enzimática [18].Contudo, surgiram novas hipóteses de que para além dos oligómeros com esta conformação (V(IV)), também outros podem interactuar com enzimas, como é o caso de decavanadato [9]. Objectivo 1.3. O objectivo deste trabalho foi estudar os efeitos terapêuticos de vanádio e seus compostos, em particular como antidiabético, bem como perceber o mecanismo molecular da acção do vanádio na via de sinalização da insulina. 2. Diabetes mellitus A população de diabetes constitui actualmente cerca de 150 milhões de pessoas no mundo e a Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que este número duplique por volta de 2025 [19] (Fig. 2). Em 2009, 12,3% da população portuguesa entre os 20 e os 79 anos (cerca de 980 mil pessoas) tinha diabetes (Fig. 3), ultrapassando largamente as previsões da Organização Mundial de Saúde (OMS), que apontavam para os 8% daqui a 14 anos. A diabetes mellitus, é a desordem endócrina mais comum [14,21]. É caracterizada por hiperglicemia, em jejum, devido a uma deficiência absoluta/relativa e/ou resistência à insulina [21]. Os sintomas característicos da patologia são produção excessiva de urina (poliúria), sede excessiva e ingestão aumentada de fluidos (polidipsia), visão borrosa, perda de peso inexplicada e letargia. É provável que estes sintomas estejam ausentes se o açúcar no sangue for apenas moderadamente elevado [14,22]. 8 Figura 2: Previsão da Prevalência da diabetes em 2025 [20]. Pessoas com diabetes têm frequentemente problemas circulatórios que aumentam a tendência para desenvolver gangrena e aterosclerose [23]. Um valor de glicose no plasma acima de 126 mg/dL (7,0 mmol/L) é normalmente usado como diagnóstico [14]. Pode ser classificada em diabetes mellitus tipo 1 e em diabetes mellitus tipo 2 [10,24]. Embora a diabetes seja classificada como uma única doença, várias complicações podem ocorrer como disfunção e falha renal, anormalidades cardíacas, retinopatia diabética, neuropatia, aterosclerose, entre outras. A etiologia da diabetes e as suas complicações continuam por clarificar. Contudo, vários factores como a idade, obesidade e dano oxidativo têm sido implicados. Devido à prevalência da diabetes, estudos multidisciplinares que se destinem a prevenir e a tratar diabetes são uma das propriedades da investigação em todo o mundo [15]. Figura 3: Prevalência Regional da Diabetes em Portugal (2009) [25]. 9 Diabetes mellitus tipo 1 2.1. A diabetes mellitus tipo 1 afecta cerca de 3% dos indivíduos diabéticos e desenvolve-se precocemente, na maioria das vezes por volta dos 14 anos de idade sendo causada por uma diminuição acentuada da secreção da insulina [10,24]. A destruição das células ß pancreáticas, responsáveis pela produção de insulina pode ser causada por infecções virais ou doenças auto-imunes, no entanto, a predisposição genética parece ser de grande importância no que diz respeito à determinação da susceptibilidade destas células à sua destruição [10]. Em alguns casos, a incapacidade de produzir os níveis adequados de insulina pode também dever-se a uma mutação no gene da preproinsulina. Quanto ao tratamento deste tipo de diabetes, uma vez que as células ß são incapazes de produzir uma quantidade adequada de insulina, esta tem de ser administrada intravenosamente [14]. Diabetes mellitus tipo 2 2.2. A diabetes mellitus tipo 2 é uma doença multifactorial já que os agentes etiológicos podem ser a dieta, factores ambientais ou factores genéticos [21]. Esta patologia é devida a um estado de resistência aos efeitos metabólicos da insulina, sendo que se observam desordens no metabolismo proteico, lipídico e dos hidratos de carbono [21]. Afecta cerca de 97% dos indivíduos diabéticos, sendo o tipo mais comum [24]. O seu início é mais tardio, desenvolvendo-se normalmente depois dos 45 anos de idade. No entanto, esta tendência tem vindo a sofrer algumas alterações, verificando-se o aparecimento da patologia cada vez mais cedo [1,24]. Isto pode dever-se a alterações no estilo de vida e comportamento alimentar dos indivíduos, uma vez que a obesidade constitui um dos principais factores de risco [10]. Neste tipo de diabetes, os níveis de insulina no plasma são normais ou até mesmo mais elevados que o normal. O problema prende-se com o facto de os tecidos-alvo não responderem à hormona, frequentemente devido a defeitos no receptor da insulina [14]. No que diz respeito ao tipo de tratamento deste tipo de diabetes, baseia-se sobretudo na prática de exercício físico, em restrições alimentares e administração de fármacos por via oral [14]. O aumento das taxas de pacientes com diabetes mellitus tipo 2, em países desenvolvidos e em desenvolvimento sugere que factores ambientais também podem estar envolvidos na etiologia desta doença [26]. 10 Figura 4: Receptor de Insulina [29]. Insulina: Estrutura, Função e Mecanismo 2.3. A insulina é uma hormona polipétidica que possui uma estrutura covalente e é responsável, juntamente com o glucagon, pela regulação dos níveis sanguíneos de glicose [21]. Actua no fígado, no músculo-esquelético e tecido adiposo [24]. É constituída por duas cadeias (designadas A e B) que são mantidas juntas por duas ligações disulfídicas [27]. É sintetizada como preproinsulina (110 resíduos de aminoácidos) pelas células ß dos ilhéus de Langerhans pancreáticos [21], um precursor inactivo apenas com uma cadeia que possui uma sequência sinal no terminal amina que dirige a sua passagem para vesículas secretoras. A remoção proteolítica da sequência sinal e a formação de três ligações dissulfito originam a proinsulina (86 resíduos de aminoácidos), que é armazenada em grânulos secretórios em células ß pancreáticas. Quando níveis elevados de glicose despoletam a secreção de insulina, a proinsulina é convertida em insulina activa por proteases específicas, que clivam as duas ligações peptídicas formando assim a molécula de insulina madura, com 51 resíduos de aminoácidos [27]. O receptor de insulina (IR-PTK ou IR) (Fig. 4) é composto por duas subunidades ?, localizadas extracelularmente, e duas subunidades ß, que passam através da membrana celular, e têm o seu C-terminal no citoplasma [27] (Fig. 5). Numa situação normal, a insulina liga-se à subunidade ? e o receptor de insulina sofre autofosforilação, catalisando a fosforilação em resíduos de tirosina da subunidade ß do receptor. O receptor adquire actividade da proteína tirosina quinase com especificidade para resíduos de tirosina de diferentes proteínas celulares. Estas incluem o maior substrato para receptor de insulina (IRS-1) (Fig 5). Após a fosforilação, estas proteínas servem como proteínas de ancoragem a outras moléculas de sinalização contendo domínios SH2, levando assim à activação de duas vias de sinalização intracelular como a via da PI3-quinase (fosfatidilinositol 3-quinase), e a activação da via da cascata MAPK com subsequente activação de Raf, MEK e 2 MAPKs; p44mapk e p42mapk (ERK1 e ERK2, respectivamente). 11 Estas vias, por sua vez, regulam o transporte de glicose, a síntese de glicogénio, lípidos e proteínas [28,30]. A PI3-quinase é um dímero composto por uma subunidade catalítica e uma subunidade regulatória. Figura 5: Mecanismo da insulina. Via PI3-K para o transporte de glicose. (Fonte: Disciplina Alterações congénitas do metabolismo, ERASMUS-Universidade de Barcelona). Esta é a única molécula intracelular considerada essencial. A cascata da PI3- quinase participa também no controlo do tráfego de vesículas levando à translocação do transportador de glicose GLUT-4 para a superfície da célula, resultando assim num aumento de captação de glicose [31] (Fig. 5). A PI3-K fosforila o fosfatidilinositol (PI) na posição 3 do anel inositol e gera formas de PI 3-fosforiladas, como fosfatidilinositol 3,4,5 (PIP3), que estão implicadas na activação da quinase dependente de fosfolípidos (PDK) e proteínas quinases serina/treonina relacionadas, responsáveis por a fosforilação e estimulação de várias proteínas quinases a jusante da sinalização, como a proteína quinase B (PKB/Akt), p70S6K e PKC [32]. A cascata da MAPK regula a expressão de genes envolvidos no crescimento e diferenciação celular [31]. As proteínas ERK1/2 activadas fosforilam e activam a jusante, a proteína quinase p90rsk. Tanto a ERK 1,2 e p90rsk podem ser translocadas para o núcleo, onde fosforilam factores de transcrição e activam a transcrição (Fig. 6). A acção da insulina pode ser atenuada por fosfatases de tirosina (PTPs), que catalisam a rápida desfosforilação do receptor de insulina e dos seus substratos. Como veremos 12 posteriormente, o vanádio pode actuar como inibidor da PTP, potenciando a acção da insulina. Figura 6: Mecanismo da insulina. Via MAPK. (Fonte: Disciplina Alterações congénitas do metabolismo, ERASMUS-Universidade de Barcelona). Stress Oxidativo e Diabetes 2.4. A industrialização não controlada resultou numa grande parte da população exposta a agentes que têm o potencial para causar ou agravar a diabetes. Estudos sugerem que o oxigénio activo é um participante importante na destruição de células ? pancreáticas, o que por sua vez, leva à diabetes tipo 1 [32]. Foi demonstrado que as espécies reactivas de oxigénio (ROS) promovem a progressão da disfunção das células dos ilhéus pancreáticos [33]. Como nestas células, os sistemas de defesa antioxidativos estão enfraquecidos, as mesmas são altamente sensíveis a stress oxidativo [33, 34]. A ligação entre o stress oxidativo e a diabetes tipo 1 pode ser encontrada nos níveis de expressão de enzimas antioxidantes. A sobre-expressão de enzimas antioxidantes, como as dismutases de superóxido (Mn e Cu/Zn ?SOD), inibem o dano induzido por citoquinas e ROS nos ilhéus [32]. Na diabetes tipo 2, foi demonstrado em vários modelos experimentais (ratos) que o stress oxidativo diminui a actividade do promotor do gene da insulina e a expressão do RNAm da insulina nos ilhéus das células ?, sob condições de hiperglicemia [33]. Os metais de transição (vanádio e ferro) podem 13 também originar espécies reactivas de oxigénio, através de reacções específicas (Fenton ? metal + H2O2), dando origem a espécies reactivas que induzem efeitos de stress oxidativo [1]. 3. Toxicologia e efeitos terapêuticos de vanádio A possibilidade de usar derivados de vanádio como agentes terapêuticos desencadeou investigações nos seus possíveis efeitos secundários. A actividade biológica do vanádio depende de factores como o tipo de derivados, o modo de administração, a dose, a duração do tratamento, e também a sensibilidade específica de cada indivíduo e espécie ao composto administrado [4]. De acordo com vários autores, a toxicidade do vanádio é mais alta via parental, baixa via oral e intermédia via inalatória [34]. Contudo, a toxicidade do vanádio depende do seu estado de oxidação; quando este aumenta, aumenta também a sua toxicidade [7], sendo por isso que o vanadato é mais tóxico que o vanadilo, tal como foi demonstrado por experiências em animais, maioritariamente em ratos. Nestes modelos animais, os principais efeitos toxicológicos do vanádio, reflectem-se na irritação dos olhos e mucosas do trato respiratório superior, hemorragias nasais, cãibras, anemia, distúrbios gastrointestinais, diarreia, desidratação, e diminuição do ganho de peso corporal. Contudo, estes efeitos podem ser corrigidos por adição de NaCl à água, ajuste do pH da solução à neutralidade e administração de ácido ascórbico ou outro composto que reduza o vanádio a um estado de oxidação mais baixo [4,7,35]. Em ratos STZ, administrações in vivo de sulfato de vanadilo em água, a uma concentração de 0,75 mg/L, com curta e longa duração, causaram uma variedade de efeitos tóxicos como alterações hematológicas e bioquímicas [4]. No entanto, verificou-se que em administrações com as mesmas concentrações com tempos superiores às referidas anteriormente, não demonstraram qualquer efeito dos mencionados e pelo contrário, baixaram a pressão sanguínea e elevaram os níveis de insulina [4]. Verificou-se que compostos orgânicos de vanádio são muito mais seguros como agentes antidiabéticos do que sais inorgânicos do mesmo [35]. Para além dos efeitos referidos anteriormente, também podem ocorrer efeitos tóxicos a nível celular pelos sais de vanádio como hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, teratogenecidade assim como toxicidade reprodutiva/desenvolvimento [36,37]. Uma vez que os sais de vanádio estimulam a mitogénese e a proliferação celular em células de rato, em cultura [38] têm o potencial de exercer actividade tumorogénica/carcinogénica [35]. 14 Apesar do número elevado de artigos sobre os efeitos tóxicos de vanádio em humanos, ainda não são claros os seus mecanismos de toxicidade, pois dependem de várias condições experimentais, como concentração e modo de exposição. Estudos demonstraram que, em pacientes tratados com sais de vanádio, o desconforto gastrointestinal era o efeito tóxico mais comum [35]. A maioria dos estudos em humanos foi realizada com curta duração e com doses mais baixas do que as utilizadas nas experiências com animais [39], o que numa doença crónica como por exemplo a diabetes, se torna um factor importante, pois importa saber quais são os efeitos a longo prazo de uma administração crónica, que o vanádio pode ter. Contudo, os estudos existentes não são suficientes para clarificar os principais efeitos tóxicos em humanos. O tratamento com compostos de vanádio envolve a sua administração ininterrupta e a acumulação dos seus derivados em tecidos, pelo que os efeitos secundários resultantes são um problema real [4]. Em 2010 foi descrito um envenenamento fatal por vanádio numa mulher de 24 anos, na Argélia [34], que apresentava sintomas de dor abdominal, vómitos, diarreia múltipla, hipoglicemia, uma severa falha renal aguda e que acabou por falecer num contexto de problemas respiratórios e asfixia tecidular, afectando todos os órgãos e levando à inibição de processo respiratórios celulares. Análises ao sangue apresentaram uma concentração de 6,22 mg/L de vanádio no sangue, correspondendo a 6000 vezes mais alto que a concentração na população em geral [34]. Recentemente, surgiu uma polémica entre autores envolvidos no estudo de vanádio e diabetes, Domingo e McNeill [40,41] onde se discute a desvalorização, por um dos autores, dos efeitos tóxicos do vanádio, que por sua vez defendeu a sua posição, focando o interesse em saber quais as doses de vanádio que induzem os efeitos biológicos. Deste modo, actualmente não há um consenso sobre efeitos tóxicos dos compostos de vanádio, e são necessárias mais investigações detalhadas para avaliar a toxicidade dos vários compostos antes de se proceder ensaios clínicos de longa duração em humanos. A utilização de vanádio como agente terapêutico tem sido controversa, uma vez que já foi referido que pode apresentar vários efeitos tóxicos. Assim, a comunidade científica parece estar dividida em pelo menos duas opiniões: uma favor da aplicação farmacêutica dos compostos de vanádio e outra contra [1]. Apesar de tudo, o vanádio tem-se revelado com várias propriedades biomédicas uma vez que interactua com inúmeros mecanismos bioquímicos e fisiológicos, como por exemplo, antidiabético, 15 antitumoral, reversão de resistência de microrganismos patogénicos a drogas, entre outros efeitos [1-6]. Uma das aplicações biomédicas do vanádio remete-se ao seu efeito insulinomimético, ou seja, tal como a insulina, promove a acumulação de glicose. Devido a este efeito, tem sido estudado essencialmente no tratamento de diabetes [2,3,7,8,12,42]. Foi observado que o vanádio causava transformações neoplásicas em diferentes tipos de células [4]. Posteriormente, verificou-se que o comportamento apresentado pelo vanádio era semelhante ao induzido por muitos factores de crescimento e vários agentes tumorogénicos. Foi então sugerido que as alterações morfológicas estariam associadas com um aumento na fosforilação de tirosinas em numerosas proteínas intracelulares. Em 1995, demonstrou-se experimentalmente que o vanádio administrado em ratos poderia ter um potencial anticarcinogénico contra a neoplasia hepática quimicamente induzida [1]. Constatou-se assim que o vanádio possuía uma actividade antitumoral, tendo sido demonstrada a acção pró- e anti neoplásica in vivo e in vitro dos seus derivados. Desde então, este composto tem vindo a ser estudado na prevenção e tratamento do cancro [4,43,53]. Na Tabela 1, podemos observar alguns dos efeitos anticancerígenos dos compostos de vanádio [4]. Foi ainda verificada a capacidade do vanadato reverter a resistência de microrganismos patogénicos a drogas, como referido anteriormente [4]. Este efeito é importante, uma vez que a resistência de microrganismos aos tratamentos de hoje, constitui um dos maiores obstáculos na medicina. Foi sugerido que os derivados de vanádio poderiam ser usados em quimioterapia devido à sua actividade antiproliferativa, actividade citostática/citotóxica (induzindo morte celular por apoptose ou por necrose) e actividade antimetástases [4,13,43,53]. Finalmente, têm sido efectuados estudos envolvendo actividades anti-HIV [45] sendo também utilizado como contraceptivo vaginal [46] e espermicida [45]. 16 Tabela 1: Efeitos anticancerígenos dos compostos de vanádio [4]. Composto de vanádio Tipo de célula Efeito Pentóxido de vanádio (V2O5) Tetraóxido de vanádio (V2O4) ?Vanadyl-trehalose? (TheVO) Vanadilo-glicose (GluVO) Vanadilo-naproxeno (Na.pVO) Ortovanadato de sódio (Na3VO4) Sulfato de vanadilo (VOSO4) Ortovanadato de sódio pervanadato (Na3VO4) , Fibroblastos humanos Linfócitos humanos Linfócitos humanos Células germinativas de rato masculinas Osteosarcoma UMR 106 Osteoblastos MC3T3E1 Osteosarcoma UMR 106 Osteoblastos MC3T3E1 Células do músculo liso vasculares Fibroblastos 3T3 de rato 16ubop Fragmentação do DNA Oxidação de resíduos de guanidina Nenhum efeito citogénico ou dano oxidativo no DNA Diminuição de 16ubop mitótico de um modo dose-resposta Indução da apoptose e dano a nível ultraestrutural Reforço da captação de glicose Inibição da proliferação celular de um modo dose-resposta entre 50 e 100 microM Estimulação da fosforilação ERK de um modo dependente de dose e tempo Reforço de captação de glicose Estimulação da proliferação celular de uma maneira entre 5 a 25 micro M Estimulação da fosforilação ERK de uma forma dependente de dose e tempo Alterações morfológicas Inibição da proliferação celular e diferenciação Indução da apoptose Activação de ERK Peroxidação lipídica Fraca acção citotóxica Efeitos citotóxicos (sem promoção da síntese de DNA e inibição da incorporação da timina) e alterações morfológicas após de 48h de incubação Indução de proliferação celular através de todos os compostos entre 2,5-10 micro M Inibição da proliferação celular e 17 Vanádio e Diabetes: Mecanismos de acção 3.1. Em 1899, estudaram-se os efeitos do vanadato em pacientes com diabetes, tendo sido um dos primeiros procedimentos para a utilização de vanádio no tratamento da diabetes. No entanto, com a descoberta da insulina, o interesse da utilização de vanádio na diabetes, foi diminuindo [1]. Contudo, por volta de 1980, experiências em diferentes tipos de células renovaram o interesse nos compostos de vanádio como agente terapêutico. Entre os efeitos insulinomiméticos, o vanádio demonstrou estimular oxidação e captação de glicose, assim como estimular a síntese de glicogénio em adipócitos e em células musculares [1]. Em 1985, Heyliger determinou que a adição de vanadato à água para beber em ratos diabéticos de tipo 1 (tratados com STZ) aliviava os sintomas diabéticos sem qualquer alteração nos níveis de insulina plasmáticos [1,8]. Em 1987, Meyerovitch et al. estabeleceu as condições requeridas para manter a normoglicemia durante longos períodos de tempo nesses ratos diabéticos do tipo 1 [1,8]. Baixas concentrações de vanádio normalizaram a glicemia, lipogénese e a ligação a insulina e não causaram efeitos tóxicos. Em 1993, Brichard et al. mostrou que o vanadato actua na expressão de genes envolvidos nas vias hepáticas glicolíticas e gliconeogénicas [1]. Em geral, o vanádio é melhor tolerado por animais pequenos, como os ratos e os ratinhos, do que animais de maior porte como o coelho e o cavalo [1]. Contudo, existe uma grande variedade de modelos animais no estudo da diabetes. Estudos com ratos e os ratinhos sãos os mais frequentes. Na Tabela 2, resumem-se os modelos de roedores, Sulfato de vanadilo (VOSO4) Linfócitos humanos Células HeLa alterações morfológicas até 25 microM para pervanadato, até 50 microM para Na3VO4 e até 75 microM para VOSO4 Efeitos genotoxicos para ambos tipos de células, mas com potencial genotoxico para células cancerígenas vitaminas A,E e C podem aumentar o potencial genotoxico. 18 sendo o modelo STZ um dos modelos mais usados. Contudo, apesar de causar a doença auto-imune nos animais modelo, com a administração de STZ, ainda se verifica uma regeneração das células beta afectadas. Contudo, este modelo tem vindo a ser considerado como um de diabetes tipo 1. Tabela 2: Animais modelos usados no estudo de efeitos tóxicos de vanádio em diabetes [8,35,36,42] Modelos animais Tipo de diabetes Ratos diabéticos streptozotocina (STZ) Modelo de diabetes tipo 1 Ratos diabéticos espontâneos BB Modelo de diabetes tipo 1 Ratos parcialmente pancreatomotizados Modelo de diabetes tipo 1 Ratos geneticamente obesos fa/fa (Zucker) Modelo de diabetes tipo 2 Ratinhos obesos ob/ob Modelo de diabetes tipo 2 Ratinhos db/db Modelo de diabetes tipo 2 Ratos diabéticos FATTY Zucker Modelo de diabetes tipo 2 Ratos hipertensivos (SHR) Modelo de diabetes tipo 2 Psammomys obesus (Ratos da areia) Modelo de diabetes tipo 2 Como já foi referido, o mecanismo de acção dos compostos de vanádio ainda não foi totalmente esclarecido. Embora a maioria dos estudos sugiram a acção de sais de vanádio via activação do receptor tirosina quinase [4,47], outros demonstram que a sua acção não está envolvida com o receptor de insulina mas sim com a inibição de proteínas tirosina fosfatases (PTPs), como resultado do seu comportamento como análogo ao fosfato [4,6]. Dados resultantes de estudos in vitro e in vivo sugerem que o vanádio não afecta apenas um, mas sim vários aspectos na via de sinalização da insulina [4]. Como os sais de vanádio são inibidores potentes das PTPases, e a activação do receptor de insulina (IR) requer a fosforilação aumentada da sua subunidade ? , foi sugerido que ao prevenir a desfosforilação da subunidade IR-?, o vanádio pode activar a proteína tirosina quinase do receptor de insulina (PTK). Em estudos feitos anteriormente, o vanadato demonstrou estimular a fosforilação das tirosinas da subunidade ?, em adipócitos de rato [47,54]. Contudo, em outras experiências, em adipócitos, e em células sobre-expressando IR, não foi detectada nenhuma alteração na subunidade ?, em resposta ao tratamento com NaOV ou VS [35,36,47,54]. Observações 19 semelhantes foram verificadas em outros estudos [35], que indicaram que a fosforilação da tirosina da subunidade ? e a activação IR-PTK podem não ser o resultado ao efeito insulinomimético dos sais de vanádio [35]. Porém, ao contrário dos efeitos em modelos animais e células com diabetes, verificou-se que em terapias com VS aplicadas em humanos, este não tinha influência significativa na actividade total da PTPase [38]. A razão não é clara, mas é possível que apenas algumas PTPases específicas sejam alvo para a inibição por vanádio que pode não ser detectável em extractos de tecidos contendo várias formas de PTPases [38]. NaOV e VS também demonstraram estimular a fosforilação e activação ERK1/2 em vários tipos de células. Esta estimulação esteve associada com estimulação sequencial dos componentes a montante da via de sinalização ERK1/2, nomeadamente MEK-1, c-raf e c-ras [35,36,37,38]. Tratamentos com VS em pacientes com diabetes tipo 2 modificaram vários componentes envolvidos na sinalização de insulina, os quais incluíram melhoras no IR basal, na fosforilação IRS-1 e na activação PI3-K em homogenatos de músculo humano [4]. Contudo, em contraste com estes estudos clínicos, outros tratamentos com BMOV em ratos não produziram qualquer alteração no estado de activação da PI3-K ou PKB [35,38,52]. Esta discrepância entre os efeitos in vivo e in vitro do vanádio, nas vias de sinalização da insulina e no papel de vários componentes deste sistema de sinalização, continua por clarificar. Ou seja, o mecanismo preciso, pelo qual o vanádio estimula a fosforilação da tirosina do IRS-1, que leva à activação do sistema PI3-K/PKB, ainda não é conhecido. De uma forma muito interessante, dois inibidores farmacológicos da actividade PI3-K, wortmanina e LY294002, atenuaram completamente a estimulação de VS na via ERK1/2, indicando um papel essencial desta quinase na propagação de respostas induzidas por VS, na via Ras/ERK1/2 [35]. Estas experiências suportam um papel importante da actividade PI3-K sensível à wortmanina num conjunto de efeitos insulinomiméticos de compostos de vanádio [35]. Por outro lado, uma vez que a PKB foi implicada em mediar respostas fisiológicas da insulina na captação da glicose e na síntese de glicogénio, é possível que o sistema de sinalização da activação PI3-K/PKB induzida por vanádio, contribua como um dos mecanismos pelos quais os efeitos insulinomiméticos dos compostos de vanádio sejam exercidos nestas proteínas. Demonstrou-se que um dos efeitos de maior importância dos sais de vanádio é a indução do transportador de glicose GLUT-4 do seu compartimento intracelular para a superfície do adipócito, promovendo assim o aumento da captação de glicose [4]. Outro 20 alvo do vanádio é a PTEN, que é uma proteína que desfosforila PIP3 e é capaz de modular negativamente a via PI3-K (Fig 3) [35]. A activação de receptores de insulina não parece ser crucial, uma vez que a inactivação enzimática destes receptores não altera os efeitos estimulatórios de vanadato no transporte de glicose em adipócitos de ratos isolados [51]. O que sugere que os compostos de vanádio exercem os seus efeitos abaixo do receptor de insulina, no processo de sinalização celular [51]. Foi efectuado um estudo em adipócitos de rato, onde o vanádio demonstrou activar uma proteína tirosina quinase citosólica sensível a staurosporina (CytPTK), distinta da IR-PTK [3,8]. Esta activação estava ligada com oxidação da glicose e síntese de lípidos mas dissociada da captação da glicose. Para além disto, a CytPTK era selectiva para vanádio, uma vez que nem a insulina, nem isoproterenol, nem AMPc ou ácido ocadáico afectaram a enzima [8]. Figura 7: Modelo esquemático mostrando a inibição da PTPase e da PTEN pelo vanádio (V) com um dos sítios alvo da acção do vanádio em relação com a cascata de insulina [35]. A comprovação documentada mais antiga dos efeitos insulinomiméticos dos sais inorgânicos do vanádio foi publicada em 1899, vinte e dois anos antes da descoberta da insulina [19]. Mas só em 1979, com o grupo Tolman et al [48], se despertou o interesse nos sais de vanádio; ao demonstrar os efeitos insulinomiméticos dos mesmos. Foi demonstrado em ratos, que vários compostos de vanádio, de uma forma semelhante à 21 insulina, estimulavam o transporte de glicose e a oxidação em adipócitos, aumentavam a síntese de glicogéneo no diafragma e em hepatócitos e inibiam a gliconeogénese em células do fígado. Desde aí, vários estudos revelaram outros efeitos insulinomiméticos dos compostos de vanádio in vitro e in vivo, incluindo a lipogénese, a sua inibição da lipólise e gliconeogénese [2,3,8,28]. Entre as acções do vanádio in vivo, a descoberta que atraiu a atenção dos diabetologistas e endocrinologistas foi o trabalho de Heyliger et al [49] que demonstrou que o tratamento crónico Na3VO4 normalizava a hiperglicemia em ratos diabéticos STZ. Mais tarde, Meyerivitch et al [50] confirma esta observação e sugere que os compostos de vanádio poderiam ter um potencial relevante, no tratamento da diabetes. Uma vez que a utilização de compostos de vanádio exerce uma acção bastante eficiente, vários grupos de trabalho se têm dedicado à síntese, melhoramento e aplicação de compostos mais específicos e eficientes na diabetes. Dois exemplos de compostos recentes utilizados no estudo do efeito de vanádio na diabetes são o Bis(maltolato)oxovanadium(IV) (BMOV) e os sais de vanádio arilquilanamina (B6V10 [(C7H10N)6V10O280.2H2O], pentaquis (benzylammonium) decavanadate [(C7H10N)5HV10O28; B5V10], e tetraquis(benzylammonium) decavanadate [(C7H10N)4H2V10O28; B4V10]) [39,51]. De modo a ultrapassar a barreira da absorção pobre de vanadato e vanadilo no tracto intestinal, McNeill et al (1990) desenvolveu um composto orgânico de vanádio, Bis(maltolato)oxovanadium(IV), BMOV [2,3,8,52]. Este composto foi especificamente desenhado para ser administrado oralmente. O tratamento crónico com este composto em ratos STZ (0,75mg/ml em água) durante um período de 6 meses, restaurou os níveis de glicose normais assim como a função cardíaca [4,8]. Contudo, não afectou o controlo de ganho de massa corporal, como acontecia com VS. Foram avaliados os efeitos tóxicos e o tratamento crónico com BMOV demonstrou prevenir elevações bioquímicas no plasma e melhorou anormalidades histológicas [3,4]. Com concentrações de 0,5 mg/ml por 14 semanas em ratos fa/fa Zucker, BMOV reduziu significativamente o nível de insulina no plasma e reduziu significativamente o ganho de peso em ratos com a patologia, não afectando os controlos. Este composto é bastante utilizado no estudo de efeitos de vanádio na diabetes [2,3,52]. As SSAO constituem uma classe de enzimas que cataliza a reacção pela qual uma amina primária é convertida no aldeído correspondente, na presença de oxigénio com a produção de peróxido de hidrogénio e amónia. A sua actividade é inibida por semicarbazida [39]. São encontradas em vários tecidos (tecidos vasculares, células do músculo liso e células endoteliais, tecido 22 adiposo). Análises revelaram que a combinação de benzilamina (substrato sintético de SSAO) e vanadato, em vários tipos de células de rato, recrutam GLUT-4 para a superfície das células, actuavam na IRS-1 e na PI3-K, entre outros efeitos na sinalização da insulina, através de peroxovanadatos que potenciam a secreção de insulina no fígado, o aumento de transporte da glicose e a lipogénese nos adipócitos, e previne a resistência à insulina nas células musculares (Fig.8). Em trabalhos anteriores, Zorzano et al (2007) [51], já tinha descrito que a combinação de substratos de ?semicarbazide (SCZ)- sensitive amine oxidase/ vascular adhesion protein-1 (SSAO/VAP-1)? e baixas doses de vanadato, mostravam efeitos antidiabéticos em ratos com diabetes induzida [51]. Figura 8: Modelo dos efeitos da combinação de substratos SSAO e vanadato na homeostase da glicose [39]. Este grupo apresenta um sal de vanádio composto por séries de arilquilaminas combinadas com vanadato, que permite a dose antidiabética efectiva de vanádio a níveis não tóxicos. Este composto é activo oralmente e eficiente sob condições in vivo, nas quais a insulina está ausente. Foram preparados os sais B6V10, B5V10 e B4V10, que mostraram potência na activação do transporte da glicose em adipócitos de rato [51]. 23 Também examinaram a eficácia crónica in vivo de B6V10 em ratos STZ e ratinhos db/db. A administração subcutânea durante 12 dias de B6V10 resultou numa correcção significativa de hiperglicemia nos ratos STZ e reduziu a glicemia nos ratinhos db/db, indicando que este composto é também eficiente em modelos animais com diabetes tipo 2, sendo que o tratamento com doses idênticas de decavanadato (oligómeros de vanadato), não alterou a glicemia nestes animais, Posteriormente, testaram os efeitos antidiabéticos do composto na ausência total de insulina. Para este fim, os ratos foram tornados diabéticos de tipo 1, após largas doses de STZ, que eliminou as células pancreáticas. A resposta foi uma redução da glicemia. Assim, a activação intracelular, em adipócitos, foi caracterizada por rápida fosforilação de IRS-1, PKB e GSK-3, que ocorreu na ausência de activação de receptores de insulina. In vivo, o tratamento com estes sais também causa uma acção insulinomimética marcada em modelos animais de diabetes. Deve ser mencionado que uma dose efectiva de B6V10 como agente antidiabético representa uma dose de vanádio muito baixa [51]. Actualmente, estão a ser desenvolvidos novos complexos de vanádio, no sentido de potenciar a sua acção insulinomimética, bem como potencial acção anticancerígena [8,43,53]. Os estudos de Heyliger sobre o vanádio como insulinomimético foram confirmados e expandidos, por várias outras investigações. Em modelos animais verificou-se a redução significativa da hiperglicemia, diminuição de glicosúria e melhoria na tolerância à glicose [32]. Foram testados complexos orgânicos de vanádio, em adição aos sais inorgânicos, que também demonstraram exercer efeito em animais modelo de diabetes tipo 1 [32,33]. Para além dos compostos orgânicos e inorgânicos de vanádio, peróxidos de vanadato ou compostos de peroxovanádio foram testados como agentes insulino-mimeticos/antidiabeticos [6]. O potencial antidiabético de vários compostos de vanádio também foi examinado em modelos animais de diabetes tipo 2, que resultou na restauração prolongada de normoglicemia e normoinsulinemia [35]. Num dos estudos, de uma forma interessante, VS não fazia qualquer efeito quando era administrado em animais que tinham perdido a sua capacidade de secreção de insulina, indicando o requerimento de um nível baixo de insulina para que o vanádio actuasse nestes animais. O papel do vanádio como um potenciador de insulina foi também sugerido a partir de estudos em que modelos de ratos com níveis baixos de diabetes exibiam efeitos de diminuição de glicose significantes apenas com doses suboptimais de vanádio e insulina. Foi também especulado que o vanádio exercia uma influência protectora nas células beta 24 pancreáticas e reforçava o efeito residual da insulina [35]. Ainda assim, o vanádio possivelmente provoca a sua resposta antidiabética por uma combinação de acções insulino-miméticas e insulino-potenciador [8,35]. A demonstração de efeitos benéficos dos compostos de vanádio, em ambos animais modelo de diabetes tipo 1 e 2, encorajou vários investigadores a determinar benefícios clínicos da terapia do vanádio em sujeitos humanos com diabetes [35]. Embora os primeiros ensaios de compostos inorgânicos de vanádio tenham sido realizados nos anos noventa, irritação gastrointestinal e alterações inconclusivas nos níveis de glicose no plasma deixaram algumas dúvidas relativamente à viabilidade da intervenção. Contudo, muitos estudos têm sido realizados e, como em estudos anteriores, o grupo de estudo tinha sido limitado e com doses de vanádio administradas durante curto período de tempo, em 2000, dois grupos iniciaram a investigação com tratamento prolongado com doses de VS mais elevadas num número significativamente maior de sujeitos, com diabetes tipo 2 [54,55]. Em 2008 foi completado o primeiro ensaio de Fase IIa [2,3]. Anteriormente, em 2006, um ensaio clínico do BEOV foi levado a cabo em Manchester, por uma empresa farmacêutica [2]. Foram confirmadas em 40 voluntários não diabéticos, as doses únicas seguras de 10 mg, 25 mg, 35 mg, 60 mg e 90 mg de BEOV. Os resultados do ensaio quando comparados com sulfato de vanadilo foram 3 vezes superiores e ainda sem efeitos adversos nos voluntários [2,3,52]. Outros estudos têm sido realizados, e a administração por duas semanas, a uma concentração de 125 mg/dia, permitiu verificar que, nos grupos de pacientes com diabetes tipo 1, NaMV não teve qualquer efeito nos níveis de glicose e melhorou a utilização de glicose em 2 de cada 5 pacientes. Nos grupos de pacientes tipo 2, NaMV, metavanadadato de sódio, resultou num aumento de sensibilidade à insulina, diminuição da glicose presente no plasma em jejum e hemoglobina glicada (HbA1c) [2,35], onde a diarreia foi o efeito secundário principal. O sulfato de vanadilo também foi estudado em 6 pacientes com diabetes tipo 2 a uma dose de 100 mg/dia durante 3 semanas. Verificou-se uma redução da glicose no plasma [4]. 25 4. Conclusões e Perspectivas futuras Desde as demonstrações iniciais dos efeitos antidiabéticos do vanádio in vivo, há mais de 100 anos, avanços significativos foram feitos no entendimento das propriedades e dos mecanismos de acção dos compostos de vanádio, como insulinomiméticos. O mecanismo intracelular exacto e/ou mediadores envolvidos nas acções do vanádio ainda não estão totalmente elucidados, no entanto, tem vindo a aumentar o interesse no seu valor terapêutico, sendo já conhecidos alguns mecanismos de acção. O mecanismo pelo qual os compostos de vanádio exercem as acções antidiabéticas pode envolver a combinação de efeitos insulinomiméticos. A activação por vanádio é conseguida por elementos chave da via de sinalização celular da insulina, como a PI3K/PKB e ERK1/2. Uma vez que as PTPases são consideradas reguladoras negativas da sinalização da insulina, a acção e sinalização dos compostos de vanádio na estimulação da insulina, pode ser através da inibição da actividade da PTPase. Os compostos de vanádio exercem vários efeitos insulinomiméticos nos sistemas in vivo e vitro. Estes incluem o melhoramento da homeostasia da glicose, captação de glicose e resistência à insulina, em animais modelo tipo 1 e tipo 2 de diabetes. Em adição a estes estudos animais, ensaios clínicos em humanos diabéticos documentaram melhoras no controlo glicémico e sensibilidade à insulina. Estes estudos são encorajadores, contudo, em muito menor número que os estudos animais. Para além disto, os ensaios clínicos em humanos efectuaram-se em populações muito pequenas e com curta duração. Espera-se que no futuro, os estudos sejam alargados a um maior número de pessoas. A aposta no futuro da investigação do vanádio na diabetes, como potencial agente terapêutico, poderá passar por melhorar as terapias actuais para diabetes, com compostos independentes de insulina. Para além disso, sabe-se que o fígado produz insulina para seu próprio consumo, ademais da homeostasia da glicose. As terapias existentes para pacientes com diabetes tipo 1 consistem na administração de insulina periférica, o que faz com que, a quantidade de insulina requerida pelo fígado numa situação normal, (que se encontra alterada na diabetes tipo 1), não chegue para o seu bom funcionamento. Um aumento da quantidade de insulina administrada não é viável, possibilitando complicações do organismo (hipoglicemia), podendo mesmo levar ao coma. Deste modo, uma terapia direccionada para o fígado, como a utilização de 26 vectores virais ou não virais, poderia melhorar a função do fígado e as suas implicações na diabetes. Outra estratégia possível poderá ser incorporar compostos de vanádio em ciclodextrinas ou nanopartículas, de modo a libertar o insulinomimético de uma forma mais lenta e mediada. Foram ainda efectuados estudos que procuraram relacionar o papel de elementos vestigiais na função dos ilhéus e no desenvolvimento da diabetes, nomeadamente com a exposição a zinco, arsénio, cádmio, mercúrio e níquel. Contudo, verificou-se que, relativamente ao vanádio, são escassos os estudos que relacionam os níveis de vanádio no sangue e a sua relação com a diabetes. Por fim, uma vez verificada a acção benéfica dos complexos de vanádio, recentemente, tem vindo a ser realizados estudos de investigação no desenho e desenvolvimento de novos compostos, com maior potência, menor toxicidade e mais especificidade tecidular, que actuem de modo diferente da insulina. Prevêem-se grandes aplicações futuras com os complexos de vanádio quer no tratamento de diabetes quer como acção anticancerígena. 27 5. Referências 1. O. Nriagu Jerome (1998). Health Effects, Part 2, Vanadium in the Environment. First Edition, New York: Wiley. 2. Thompson K, Orvig C. 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