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Abstract(s)
Na sociedade actual, em que as pressões sociais e profissionais impõem aos indivíduos
níveis cada vez mais elevados de educação e de formação, assiste-se à situação
paradoxal de não existir um investimento na concepção de programas educativos que os
torne adequados aos públicos adultos. Na maior parte dos casos aplicam-se os mesmos
currículos que se utilizam com as crianças e com os jovens, o que constitui uma fórmula
inevitável de desmotivação, abandono, insucesso e desperdício de recursos. De facto, os organizadores em que devem assentar os processos educativos e formativos destinados a públicos adultos e, consequentemente, as propostas curriculares em que se desenvolvem, são outros e bem diferentes dos que se utilizam para conceber programas educativos para outras faixas etárias. Quer nos centremos numa perspectiva de análise dos desafios que a sociedade actual coloca aos sujeitos quanto às possibilidades, oportunidades e necessidades de aprendizagem, ou nas características do adulto enquanto sujeito aprendente, qualquer destes domínios de análise conduz a um entendimento diverso do que significa “aprender” e “formar” que colide com os conceitos tradicionais dos termos.
Na opinião de Canário (2001) a resposta está em encontrar soluções educativas que
garantam duas condições: a “pertinência” e a “democratização” dos processos. A
pertinência significa uma mudança de relação com o conhecimento, na qual tanto
formadores como formandos beneficiam de um estatuto de produtores de saberes; e a
democratização consiste em admitir e aplicar uma reversibilidade de papéis que confira a
possibilidade de que todos os que intervenham nos processos educativos e formativos sejam sujeitos em aprendizagem, embora em formas e em níveis diferentes.
Considerar e incluir estas variáveis nos processos educativos e formativos, vem questionar princípios considerados incontestáveis, tais como, quem são os formandos e os formadores, qual o papel a desempenhar por cada um deles num processo de ensino e de aprendizagem, o que deve ser considerado “conteúdo de aprendizagem” e que “métodos” devem ser utilizados para os ensinar. Vem, igualmente, animar a discussão em torno dos mode los de Educação e Formação de Adultos que, à luz destas novas linhas de análise, vêem relançada a pertinência de pressupostos em que se baseiam, e que não eram valorizados nem reconhecidos quando a lógica que os apreciava se fundamentava em
mode los de ensino escolarizados. Em resposta a esta necessidade de encontrar soluções para o grave problema do défice
da escolarização da população portuguesa, e de assegurar que essas soluções sejam
suficientemente inovadoras ao ponto de romperem com modelos e formatos educativos
caducos ou inadequados aos públicos adultos a quem se destinavam, foi, em 2000, criada
a Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA). A agência teve como
missão inicial “pensar” e “criar” em Portugal uma Educação e Formação de Adultos que, contrariamente à tradição e ao pensamento académico português, traduzisse as ligações que deveriam existir entre a educação, a formação e o emprego. A ANEFA era tutelada, em simultâneo, pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Solidariedade Social, o que denunciava a lógica do projecto educativo e formativo que
propunha desenvolver, o qual privilegiava soluções que articulassem educação e
formação, e agilizava, também, a operacionalização dessas mesmas soluções. Embora numa fase posterior a ANEFA tenha sido extinta, o seu projecto foi assumido pela Direcção Geral de Formação Vocacional (DGFV) e está, actualmente, entregue à Agência Nacional da Qualificação (ANQ), que têm dado continuidade aos propósitos e
compromissos inicialmente assumidos. De entre um conjunto diverso de propostas educativas e formativas que foram
implementadas, destacamos os “Cursos de Educação e Formação de Adultos” (Cursos
EFA). Destinados a adultos maiores de 18 anos que não possuem escolaridade básica
nem qualificação profissional, os cursos conferem habilitação académica correspondente
ao 1º, 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico e, recentemente, Ensino Secundário, e formação
profissionalizante de Nível I e II. Os Cursos EFA desenvolvem um modelo educativoformativo francamente inovador.
Proporcionam uma oferta integrada de educação e formação e privilegiam soluções
flexíveis de construção e de desenvolvimento curricular. Na realidade os cursos nãopossuem um currículo rígido, igual para todos os cursos que se desenvolvam. Pelo
contrário, o desenho curricular de cada curso é estruturado em função dos conhecimentos já adquiridos pelos formandos, da sua experiência pessoal e profissional, bem como dos diferentes contextos sócio económicos e culturais em que estão inseridos. No que se refere à componente de formação académica de base existe, como documento orientador do plano curricular dos cursos, um Referencial de Competências Chave (RCC) que aponta um conjunto de critérios de evidência que devem ser alcançados pelos
sujeitos em formação em quatro áreas de competência: Linguagem e Comunicação,
Cidadania e Empregabilidade, Matemática para a Vida e Tecnologias de Informação e da
Comunicação. Da estrutura curricular consta, ainda, uma quinta área, designada de área
de “Temas de Vida”. Em termos de arquitectura curricular, os Temas de Vida constituem se como a “área em branco” dos cursos EFA. Não estando definida em termos dos conteúdos que podem vir a ver abordados, esta área de formação acaba por se constituir
no ingrediente que favorece a diferenciação e a singularidade dos cursos que se integram
neste modelo formativo. Um outro indicador de inovação dos Cursos EFA é a participação dos formandos em todos as decisões de carácter curricular. Desde a escolha do Tema de Vida, passando por todas as outras opções que devem ser tomadas, a sua participação e comprometimento na construção de um currículo que corresponda aos seus interesses é absolutamente fundamental.
Os Cursos EFA são, quanto a nós, uma das raras respostas educativas destinadas a
públicos adultos em que há coincidência entre o discurso pedagógico que os suporta e a proposta de desenvolvimento curricular em que assentam. Trata-se de uma abordagem
curricular que gera e convida a novas formas de compreensão e de comprometimento com o processo de construção curricular, e que procura aplicar, de forma integrada,
princípios considerados válidos no campo da Educação e Formação de Adultos. Em termos operativos, os processos de construção curricular dos cursos EFA assentam na
existência das designadas “Equipas Pedagógicas” que integram a totalidade dos
formadores de cada curso e uma representação dos formandos que o frequentam. Cada uma destas equipas assume-se como um órgão que procura, simultaneamente, garantir a
construção de um currículo que vai sendo elaborado progressivamente e a concretização
de momentos de reflexão sobre as práticas desenvolvidas. Nas reuniões que
periodicamente as equipas realizam, e que, em última análise, se traduzem em oficinas de
construção continuada de um currículo, toma-se o pulso à situação, ajusta-se, gradualmente, o processo educativo e formativo às contingências do percurso, e procurase assegurar a dinâmica e a coesão do grupo. Essas reuniões permitem, ainda,
concretizar importantes momentos de auto e hetero formação para todos os que nelas
participavam. Referindo-se aos Cursos EFA, Canário (2002) considera-os como uma “caixa negra” e afirma que é uma tarefa fundamental “criar disposit ivos de avaliação e de acompanhamento que permitam, ao mesmo tempo, saber o que se passa, intervir em termos de regulação e aprender com a experiência” (p. 7). Na sequência do que Canário sugere, o estudo que agora se apresenta procurou avaliar a capacidade decisional dos intervenientes nos cursos EFA – formandos e formadores - e o desenvolvimento profissional dos formadores que intervêm nesta modalidade formativa. Em suma, o estudo procurou recolher evidências de “Pertinência” e de “Democratização”
nos processos educativos e formativos que são desenvolvidos nos Cursos EFA.
Description
Keywords
Educação de adultos Cursos EFA Construção e desenvovlvimento curricular
Citation
Publisher
Unit for Adult Education of the University of Minho and the European Society for Research on the Education of Adults (ESREA)