Name: | Description: | Size: | Format: | |
---|---|---|---|---|
3.99 MB | Adobe PDF |
Authors
Advisor(s)
Abstract(s)
A doença de Gaucher (Gaucher disease – GD) é a doença lisossomal com maior taxa
incidência em todo o mundo (Mistry et al., 2017). As doenças de armazenamento
lisossomal, são um grupo de doenças metabólicas hereditárias caracterizadas pela
redução de atividade ao longo de uma via metabólica, levando à acumulação de um ou
mais dos seus substratos, e consequente desregulação celular. GD é causada por níveis
reduzidos de atividade da hidrolase β-glucocerebrosidase (GCase), o que pode ocorrer
por mutações no centro ativo, alterações no processamento, no ativador ou nos
transportadores. A doença transmite-se quase exclusivamente de por transmissão
autossómica recessiva de mutações no gene da GCase, GBA1. Ainda que raro, alguns
casos de GD causados por mutações no gene PSAP, que codifica para o cofator da
GCase, Saposin C (Kang et al., 2018). Até à data, mais de 300 mutações GBA1 foram
descritas como causadoras de GD e, apesar da grande maioria poupar o centro ativo
da enzima, tendem a alterar drasticamente a estrutura tridimensional, estabilidade e
transporte da GCase (Dvir et al., 2003; Manoj Kumar Pandey, Rani, Zhang, Setchell, &
Grabowski, 2012). Produção de GCase com uma estrutura tridimensional errada ativa o
sistema de controlo de qualidade do reticulo endoplasmático que, através do uso de
chaperones do sistema UPR (Unfolded Protein Response), tenta promover uma
conformação correta. Após vários ciclos falhados de remodelação molecular, o UPR
despoleta apoptose através da via mitocondrial (Bendikov-Bar & Horowitz, 2012;
Grabowski, Zimran, & Ida, 2015).Para além da pressão exercida sob o Retículo
Endoplasmático (ER), a baixa atividade da GCase leva a uma acumulação
intralisossomal de substratos glucosilceramida (GlcCer) e glucosilsesfingosina (Awad et
al., 2015; Choi et al., 2011). Apesar desta ser expressa ubiquamente, devido à sua
natureza e função fisiológica com altos níveis de remodelação e atividade lisossomal,
as células do sistema reticuloendotelial e neuronal são primordialmente afetadas. Nos
macrófagos, GlcCer acumula-se em vesículas que ocupam grande parte do citoplasma,
formando as características células de Gaucher, identificáveis por histologia, que
mantêm um estado de inflamação sistémica constante (Hollak, van Weely, van Oers, &
Aerts, 1994; Klein & Futerman, 2013). Neurónios, por outro lado, são especialmente
sensíveis a baixos níveis de GCase devido à alta taxa de processamento de
gangliósidos por processos associados à sinapse, entrando em apoptose e gerando um
ciclo de inflamação e morte neuronal (Grabowski, 2008; Mencarelli & Martinez–Martinez, 2013). O modo como cada mutação ou genótipo afeta estes dois tipos celulares explica
a panóplia de sintomas que são geralmente associados a GD e são comumente
divididos em sintomas viscerais ou sistémicos que afetam fígado, baço, pulmões e
ossos, e sintomas neurológicos, com afeção de áreas específicas do cérebro e sistema
nervoso central.
Apesar de algumas mutações apresentarem um fenótipo predominantemente sistémico
ou neurológico, a vasta maioria das mutações, não está diretamente associada a um
padrão sintomático ou severidade. Atualmente, num contexto académico reconhece-se
que a dispersão dos sintomas e sua severidade formam um gradiente, das formas
neurológicas congénitas mais agudas até formas mais leves de envolvimento somático
exclusivamente detetadas numa fase mais tardia de vida ou que não são detetadas de
todo (Aureli et al., 2012). No contexto clínico, a sintomatologia é classificada em três
tipos de acordo com as necessidades terapêuticas e prognóstico: tipo 1 (não
neuropático); tipo 2 (neuropático agudo); e tipo 3 (neuropático crónico). As
manifestações sistémicas mais comuns incluem inflamação generalizada,
hepatomegalia, esplenomegalia, pancitopenia e osteoporose, e tendem a estar
presentes em todos os tipos de GD ao passo que as manifestações neurológicas
incluem espasticidade, nistagmo, défice cognitivo e neurodegeneração e manifestamse
nos tipos 2 e 3 (Butler, 2001; McNeill et al., 2012).GD tipo 1 é a forma mais frequente
da doença, afetando mais de 90% dos pacientes, ao passo que o tipo 2 é a forma mais
severa, apresentando um prognóstico muito reservado com uma degeneração
neurológica rápida e acentuada, resultando numa esperança média de vida de 9 meses.
O tipo 3 encontra-se entre o tipo 1 e 2 em termos de severidade, apresentando tanto
sintomas viscerais como neurológicos crónicos (Ozlem Goker-Alpan et al., 2003).
Ainda que não haja cura para GD, existem presentemente várias alternativas de
tratamento e gestão de sintomas, dependendo da sintomatologia e apresentação
fenotípica da doença. O primeiro tratamento desenvolvido foi o transplante de medula
óssea (bone marrow transplantation - BMT) através da transfusão de progenitores
hematopoiéticos de dadores saudáveis. Se feito correta e precocemente, BMT pode
prevenir tanto manifestações viscerais como neurológicas da doença, no entanto este
efeito terapêutico é perdido com a idade (Platt & Jeyakumar, 2008). Para além disso
BMT não tem efeito nas formas neuropatológicas mais agudas de GD tipo 2 pela rápida
progressão e deterioração (Platt & Jeyakumar, 2008; Shawky & Elsayed, 2016). Durante
vários anos, a única alternativa a BMT foi, a suplementação endovenosa de GCase,
num sistema terapêutico de substituição enzimática (enzyme replacement therapies –
ERT). Terapias ERT são ainda a primeira linha de tratamento de GD, com melhorias como a marcação de GCase com resíduos de manose para facilitar a sua captação por
macrófagos (Grabowski, 2008; McEachern et al., 2007). No entanto, apesar de aliviar a
grande maioria dos sintomas sistémicos, uma vez que GCase não atravessa a barreira
hematoencefálica, ERT não tem qualquer efeito nas manifestações neuronais da
doença (R Kornfeld & Kornfeld, 1985). A classe de fármacos mais recente na prática
clínica, aposta numa diminuição da acumulação de GlcCer através da inibição a
montante da via catabólica, numa abordagem denominada terapia de redução de
substrato (substrate reduction therapy - SRT). Esta abordagem tem foco na inibição da
glucosilceramida sintetase, reduzindo a concentração intracelular dos seus produtos,
glucose e ceramida (Rao Vunnam & Radin, 1980). Apesar de apresentarem um
potencial terapêutico mais baixo do que ERT para sintomas viscerais, as terapias por
SRT, ao serem baseadas em pequenas moléculas glicomiméticas são capazes de
atravessar a barreira hematoencefálica e aliviar os sintomas neuronais. Contudo, apesar
do baixo custo, os efeitos secundários e o baixo efeito terapêutico relegam SRT para
uma segunda linha de tratamento.
Inspirados na terapia SRT, uma nova classe de fármacos tem vindo a ganhar a atenção
da comunidade científica: chaperones farmacológicas (pharmacological chaperones –
PC). Estes compostos atuam como inibidores reversíveis da GCase e, ligando-se ao
centro ativo da enzima melhoram a sua conformação, ajudando-a a iludir o Sistema de
Controlo de Qualidade do Retículo Endoplasmático, aumentando a quantidade de
Gcase e permitindo que exerça a sua função com a capacidade hidrolítica
remanescente.
Recentemente, investigação e desenvolvimento de novas abordagens para compensar
ou suplementar défices de atividade de GCase no sistema nervoso central têm ganho
novo fôlego devido a uma série de associações entre mutações em GBA1 e
desenvolvimento de patologias neurológicas degenerativas. Apesar de GD tipo 1 ser,
por definição, ausente de qualquer manifestação neurológica ao longo dos anos, uma
série de casos esporádicos de manifestações semelhantes à sintomatologia clássica da
doença de Parkinson (PD) começaram a ser notadas. Apesar de inicialmente episódica,
a incidência mais elevada de bradicinesia, demência, défice cognitivo, hiposmia e
depressão levaram a que fossem feitos os primeiros estudos genéticos de associação
ente PD e GD (Sidransky & Lopez, 2012; Yang, Lee, Lee, Kim, & Lee, 2013). Estudos
recentes apontam para uma sobre representação de pacientes PD com mutações
GBA1, 5 a 7 vezes superior quando comparado a um grupo controlo, com uma idade
média no momento do diagnóstico 4 a 6 anos inferior (Aharon-Peretz , Rosenbaum , &
Gershoni-Baruch 2004; Sidransky & Hart, 2012; Toft, Pielsticker, Ross, Aasly, & Farrer, 2006). No entanto, apesar da correlação estatística, o mecanismo subjacente à relação
entre GCase e α-sinucleína ainda é pouco claro. O primeiro modelo mecanístico foi
desenvolvido em Mazzulli et al em 2011, no qual é proposta a existência de uma relação
inversamente proporcional entre a atividade de GCase e os níveis de α-sinucleína, na
qual reduzida atividade de GCase resulta em elevados níveis de α-sinucleína, que, por
sua vez, diminuem o transporte de GCase para o lisossoma, reduzindo os níveis de
hidrólise e aumentando o numero de fibrilas de α-sinucleína (Mazzulli et al., 2011).
GCase tornou-se, deste modo, não apenas o alvo terapêutico para GD, mas também
para PD (Aflaki et al., 2016).
O presente trabalho teve como objetivos: I) Estabelecer um modelo neuronal in vitro a
partir de iPSc para os genótipos de GD tipo 2 L444P/L444P (clone A), L444P/P415R
(clone B), G325R/C342G (clone C), L444P/G202R (clone D), e controlo (wild type -
WT), e corroborar a relação entre a atividade de GCase e os níveis de α-sinucleína; II)
testar um grupo de 12 chaperones farmacológicas em neurónios de pacientes GD2 e
caracterizá-los quanto ao seu efeito na Gcase, quer na quantidade de proteína, quer na
sua atividade; III) testar o efeito de retroalimentação positiva proposto por Mazzulli et
al., através da medição dos níveis de α-sinucleína e da relação destes com a atividade
de GCase e quantidade de proteína (Mazzulli et al., 2011). Para tal, fibroblastos de 3
genótipos GD tipo 2 (Clones A, B e C) foram reprogramados ao estado de pluripotência
através de transdução e expressão dos fatores de reprogramação Oct4, Sox2, Klf4 e CMyc
(OSKM) (Takahashi et al., 2007). Um controlo sem mutação GBA1 (WT) e um outro
genótipo GD tipo 2 (clone D) previamente reprogramados e testados foram também
usados durante este trabalho. O conjunto dos clones iPSc WT, A, B, C e, D foram então
diferenciados em neurónios através de um protocolo de diferenciação em camada única
adaptado e otimizado por nós. Culturas confluentes de neurónios foram tratadas com
um conjunto de chaperones pertencentes a iminoaçucares, piperidinas monocíclicas
(MTD131, TMB69, TMB65 e TMB84); piperidinas bicíclicas (MTD106, MG174, MTD132
e RV21); e nortropanos (MG235, CVI62, DW43 e DW45), com os seguintes resultados:
I) No modelo estabelecido, os níveis de GCase estão de acordo com o que foi descrito
para neurónios GD2, com níveis de atividade hidrolítica inferiores 20% aos observados
para o controlo. Simultaneamente, com níveis reduzidos de GCase, estes clones
apresentavam níveis aumentados de α-sinucleína.
II) Ainda que a maioria dos compostos tenha afetado os níveis de proteína GCase, o
efeito foi pouco consistente nos diferentes genótipos, apresentando variações
consideráveis consoante as mutações GBA1 pressentes. Não obstante, alguns
compostos demonstraram um efeito potencialmente terapêutico num ou mais genótipos: Clone A (L444P/L444P) apresentou um aumento dos níveis proteicos de GCase e
redução dos níveis de α-sinucleína na presença dos chaperones TMB69, TMB65,
MTD132, RV21, MG235 e CVI62; Clone B (L444P/P415R), aumentou os níveis
proteicos de GCase por um fator de 3 quando tratado com TBM69, com concomitante
redução de α-sinucleína em 70%. Neste mesmo genótipo, TMB65, reduziu α-sinucleína
em 90% apesar de não ter nenhum efeito observável na GCase; para o Clone C
(G325R/C342G), o chaperone MTD106 elevou a atividade de GCase e reduziu em 50%
os níveis de α-sinucleína ; relativamente ao Clone D (L444P/G202R), apesar de nenhum
dos compostos reduzir efetivamente os níveis de α-sinucleína, um aumento da atividade
de GCase foi alcançado quando tratado com MTD106.
III) Apesar do efeito positivo de alguns chaperones seja na quantidade ou atividade de
GCase, como na redução dos níveis de α-sinucleína, esse efeito não é consistente. Esta
observação pode ser causada por vários fenómenos como o efeito inibitório do
composto, a afinidade e resistência de alguns dos compostos usados aos métodos de
extração e desnaturação usados. Novos estudos serão necessários de modo a clarificar
a interação entre os diferentes alelos de GD e chaperones de modo a garantir não só
um aumento da atividade de GCase, mas também a segurança quanto aos níveis de α-
sinucleína.
Gaucher Disease (GD) is the most common lysosomal storage disease. It is caused by mutations in GBA1 which lead to dysfunctional β-glucocerebrosidase (GCase) activity and an accumulation of its substrates, glucosylceramide and glucosylsphingosine. Reticuloendothelial system cells and neurons are especially affected by high glucosylceramide levels, generating multiple symptoms. According to the distribution and severity of the symptoms, and degree of neuronal involvement, GD can be classified as systemic (GD1), severe acute neuropathic (GD2) or chronic neuropathic (GD3). Presently, none of the available therapies are effective at alleviating neuronopathic forms of the disease. Recent studies have pointed to GBA1 mutations as the most frequent genetic risk factor for Parkinson Disease. In 2011, Mazzulli et al. proposed a feedforward mechanistic loop model explaining the inverse correlation between GCase activity and α-syn levels. In the present work, we developed an optimized differentiation protocol to test iPSc derived neurons from four GD2 genotypes (L444P/L444P, L444P/P415R, G325R/C342G and L444P/G202R). Each clone was treated with a set of 12 chaperone compounds regarding their effect on GCase protein levels, and activity. Simultaneously, α-syn levels were measured for each sample to test Mazzulli’s hypothesis. Our results identified some compounds which effectively enhanced GCase and decreased α-syn, which can be considered and explored as novel therapies for GD and PD. Our results indicate that chaperone treatment does not affect GCase levels/activity and the relation with α-syn levels in a way consistent with Mazzulli’s proposed model. This might be due to the multiple variable at play in our experimental system and suggests the need for follow-up studies.
Gaucher Disease (GD) is the most common lysosomal storage disease. It is caused by mutations in GBA1 which lead to dysfunctional β-glucocerebrosidase (GCase) activity and an accumulation of its substrates, glucosylceramide and glucosylsphingosine. Reticuloendothelial system cells and neurons are especially affected by high glucosylceramide levels, generating multiple symptoms. According to the distribution and severity of the symptoms, and degree of neuronal involvement, GD can be classified as systemic (GD1), severe acute neuropathic (GD2) or chronic neuropathic (GD3). Presently, none of the available therapies are effective at alleviating neuronopathic forms of the disease. Recent studies have pointed to GBA1 mutations as the most frequent genetic risk factor for Parkinson Disease. In 2011, Mazzulli et al. proposed a feedforward mechanistic loop model explaining the inverse correlation between GCase activity and α-syn levels. In the present work, we developed an optimized differentiation protocol to test iPSc derived neurons from four GD2 genotypes (L444P/L444P, L444P/P415R, G325R/C342G and L444P/G202R). Each clone was treated with a set of 12 chaperone compounds regarding their effect on GCase protein levels, and activity. Simultaneously, α-syn levels were measured for each sample to test Mazzulli’s hypothesis. Our results identified some compounds which effectively enhanced GCase and decreased α-syn, which can be considered and explored as novel therapies for GD and PD. Our results indicate that chaperone treatment does not affect GCase levels/activity and the relation with α-syn levels in a way consistent with Mazzulli’s proposed model. This might be due to the multiple variable at play in our experimental system and suggests the need for follow-up studies.
Description
Keywords
Doença de gaucher Doença de parkinson Gcase A-sinucleina Chaperones