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Abstract(s)
A mitocôndria é um organelo subcelular com um papel preponderante no
metabolismo energético, em particular, relacionado com a fosforilação oxidativa
(OXPHOS). Encontra-se presente em maior número em tecidos e órgãos que requerem
elevados níveis de energia, como por exemplo, cérebro e músculo.
A produção de ATP (energia) ocorre pelo processo de OXPHOS, num sistema
multienzimático, constituído por cinco complexos proteicos e dois transportadores
intermediários de electrões que formam o sistema da cadeia respiratória mitocondrial.
As doenças mitocondriais são caracterizadas por defeitos na OXPHOS,
constituindo um grupo designado por Doenças da Cadeia Respiratória Mitocondrial
(MRCD).
Diversos estudos têm comprovado que o sistema de OXPHOS é codificado pelo
genoma mitocondrial (mtDNA) e nuclear (nDNA), o que leva a que a função
mitocondrial esteja dependente da coordenação e interacção entre os dois genomas.
Assim, mutações em qualquer um dos genomas podem originar uma disfunção
mitocondrial. Consequentemente, as DCRM são caracterizadas por uma enorme
variedade de sintomas e encontram-se associadas a todos os tipos de hereditariedade,
podendo-se manifestar em qualquer idade, desde a infância até à idade adulta, o que
torna o seu diagnóstico complexo.
Qualquer alteração num dos cinco complexos pode afectar o funcionamento do
sistema de OXPHOS. Contudo, os défices dos complexos enzimáticos I e IV são os
mais frequentemente observados.
A citocromo c oxidase (COX) – complexo IV - é o componente terminal da
cadeia de transporte de electrões, que são transferidos do citocromo c para o oxigénio
molecular, reduzindo-o a água. Este complexo é constituído por três subunidades
codificadas pelo genoma mitocondrial (COX I, COX II e COX III) e dez subunidades
codificadas pelo genoma nuclear (COX4, COX5A, COX5B, COX6A, COX6B,
COX6C, COX7A, COX7B, COX7C e COX8). Alguns estudos têm referido que estas
subunidades conferem estabilidade estrutural e modulam a actividade da enzima,
estando envolvidas na produção de energia em diferentes tecidos, bem como no
desenvolvimento ontogenético.
A biogénese e o assembly do complexo IV mitocondrial ocorrem de acordo com
uma sequência temporizada de diversos passos de incorporação das treze subunidades.
Este processo resulta na formação de intermediários (S1-S4) e depende de um elevado
número de genes específicos, tanto no genoma nuclear como no genoma mitocondrial.
Alterações nesses genes podem levar a falhas na actividade daquele complexo.
A síndrome de Leigh (LS) é a doença neurodegenerativa mitocondrial
progressiva, podendo ocorrer na infância ou na idade adulta e é caracterizada pela
presença de lesões neurológicas específicas. Esta doença tem sido relacionada com o
défice da actividade da COX em dois grupos de doentes diferentes: LS típico, associado
ao défice isolado grave; e LS atípico, com défice parcial da COX. Os doentes do
primeiro grupo têm sido frequentemente diagnosticados com mutações no gene SURF1,
correspondendo a 10-15% dos casos.
O gene Surfeit-1 (ou SURF1) é um gene nuclear que contém 4.696bp e encontrase
localizado na posição do cromossoma 9q34.2. Este codifica um polipeptídeo
hidrofóbico (Surfeit locus protein 1 – Surf1p), que se encontra na membrana interna
mitocondrial e que está envolvido no assembly da COX. Este gene pertence a um
cluster de genes housekeeping, cuja extremidade 5’ é extremamente rica em GC.
Diversos estudos mostraram que a Surf1p está envolvida no assembly da COX,
ao nível dos intermediários S2 e S3, relativamente à inserção da subunidade COX II no
subcomplexo COX I + COX 4 + COX5A. Assim, o défice isolado da COX, devido à
ausência/disfunção da Surf1p, está associado a uma falha no assembly do complexo,
mais especificamente, antes da inserção das subunidades II e III no subcomplexo
anteriormente formado, o que leva a uma diminuição da incorporação das subunidades
da COX e, consequentemente, menor quantidade da holoenzima COX. Esta redução foi
demonstrada, por vários autores, em doentes com LS portadores de mutações no
SURF1, apoiando esta hipótese. Actualmente, existem mais de 40 mutações descritas
neste gene nuclear.
O presente trabalho tem como objectivo identificar alterações no gene SURF1
em doentes com défice isolado da COX. Com este propósito, a análise genética foi
realizada através das técnicas de sequenciação automática e RFLP, tendo sido também
utilizadas ferramentas de análise in silico para previsão da patogenicidade das alterações
identificadas. Para este trabalho, foram usadas amostras de DNA, previamente extraídas no
Laboratório de Bioquímica Genética, a partir de tecido proveniente de 24 doentes com
défice isolado da COX (<40% que o normal), identificado por espectofotometria.
A análise genética do gene SURF1 (exões 3 – 9) na amostragem estudada,
permitiu identificar oito alterações diferentes, das quais quatro ainda não se encontram
descritas, em 24 doentes. Das oito variações de sequência, todas ocorrem em zonas
conservadas ao longo da evolução, e quatro ocorrem em zonas não codificantes,
enquanto que as restantes surgem em exões; contudo, apenas duas alteram o aminoácido
(missense). A análise in silico das variações de sequência sugere que é pouco provável
que as alterações nos intrões afectem o processo de splicing; no entanto, as duas
variações missense (c.574C>T e c.883C>T) são provavelmente patogénicas.
A alteração c.574C>T, no exão 6, leva à substituição de arginina por triptofano e
foi identificada em homozigotia no doente 6, com LS, o que está de acordo com estudos
anteriormente realizados, que associam a presença desta alteração à doença. A alteração
c.883C>T, no exão 9, foi identificada em heterozigotia no doente 16 e origina a
substituição de arginina por cisteína num doente com menos de cinco anos de idade, que
apresenta síndrome malformativo, atraso do desenvolvimento psicomotor e fácies
grosseira. Esta variação de sequência ainda não se encontra descrita e poderá ser
importante na identificação das causas do fenótipo clínico.
Como perspectiva futura e no sentido de complementar este estudo, pretende-se
analisar os exões 1 e 2 do gene, de modo a verificar a existência de mutações
responsáveis pela doença e realizar estudos funcionais que comprovem a associação das
alterações identificadas com o fenótipo clínico. Seria ainda útil analisar controlos
normais para esclarecer melhor a existência das alterações apenas em doentes.
Este trabalho representa uma contribuição positiva para o diagnóstico genético
dos doentes com défice isolado da COX no laboratório de acolhimento, com um
impacto importante no aconselhamento genético.
Description
Keywords
DCRM OXPHOS SURF1 Surf1p COX Síndrome de Leigh.