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Abstract(s)
A dislexia é uma perturbação específica de aprendizagem de origem neurobiológica,
caracterizada por dificuldades no reconhecimento exacto e/ou fluente de palavras
escritas e por dificuldades ortográficas e de descodificação. Estas dificuldades
coexistem com capacidades cognitivas normais e surgem apesar de existir instrução e
condições sócio-económicas adequadas. Ao longo das últimas décadas tem-se
observado uma explosão de estudos dedicados a identificar quais os défices
manifestados pelos disléxicos e qual a sua causa. Mais recentemente, alguma desta
investigação tem-se centrado nas capacidades de aprendizagem implícita e eventuais
défices nestas capacidades apresentados pelos disléxicos.
A aprendizagem implícita é definida pela aprendizagem não intencional de
informação complexa, desenvolvida de um modo automático apenas pela constante
exposição às regularidades ambientais. Esta aprendizagem ocorre sem que a pessoa
tenha intenção de o fazer e sem conhecimento explícito e verbalizável do conteúdo
aprendido. Na aprendizagem da leitura e escrita as crianças estão expostas não só a
processos explícitos, mas também a processos implícitos. Inicialmente, as crianças
adquirem explicitamente as correspondências grafema-fonema e posteriormente estas
correspondências passam a ser aplicadas, e até adquiridas, de um modo implícito
(Gombert, 2003; Sperling, Lu, & Manis, 2004). Simultaneamente, as regularidades dos
sistemas de escrita podem também ser extraídas implicitamente, sob a forma de
padrões visuais (ortografia), palavras ditas oralmente e associadas a esses padrões
(fonologia e léxico) ou pelo significado que estes padrões activam (morfologia e léxico)
(Gombert, 2003). Processos implícitos estarão também presentes quando a aquisição
de significado associado a este padrão ortográfico é efectuado através do contexto
(Howard, Howard, Japikse, & Eden, 2006). Esta combinação de processos explícitos e
implícitos na aquisição da leitura leva-nos a pressupor que um défice nas capacidades
de aprendizagem implícita pode contribuir para as dificuldades apresentadas pelas
crianças disléxicas. Contudo, os poucos estudos sobre a aprendizagem implícita em
disléxicos têm revelado resultados díspares. Enquanto alguns autores referem que os
disléxicos apresentam um défice na aprendizagem implícita (Pavlidou & Williams,
2010; Pavlidou, Williams, & Kelly, 2009; Sperling et al., 2004; Stoodley, Harrison, &
Stein, 2006; Vicari, Marotta, Menghini, Molinari, & Petrosini, 2003), outros estudosapontam para que estas capacidades estejam intactas em crianças e adultos disléxicos
(Kelly, Griffiths, & Frith, 2002; Roodenrys & Dunn, 2008; Russeler, Gerth, & Munte,
2006; Waber et al., 2003). Alguns autores referem que esta discrepância de resultados
se deve à utilização de diferentes provas, que podem estar a avaliar diferentes
processos de aprendizagem implícita e que os disléxicos podem ter défices apenas em
alguns destes processos (Howard et al., 2006).
Com o presente estudo pretendemos clarificar esta questão, investigando se
crianças disléxicas apresentam capacidades de aprendizagem implícita. Para tal, foi
utilizado um paradigma de aprendizagem implícita complexo, a aprendizagem de
gramática artificial, mas adaptado a crianças disléxicas. Adicionalmente, examinámos a
relação entre a aprendizagem implícita e as competências de leitura e outras
capacidades relacionadas com a leitura.
Participaram no estudo doze crianças com diagnóstico ou suspeita de dislexia,
do 2º ao 4º ano de escolaridade. Este grupo foi emparelhado com dois grupos de
controlo: um grupo equivalente em termos de idade e escolaridade e outro grupo
equiparado em termos de capacidade de leitura, todos do 1º ano de escolaridade.
Todos os grupos realizaram provas complementares de leitura, escrita, consciência
fonológica, nomeação rápida, vocabulário e memória de trabalho.
A experiência de aprendizagem de gramática artificial foi dividida em três
sessões, realizadas em três dias seguidos. No início de cada sessão os participantes
realizavam uma prova de memória (as crianças memorizavam sequências de símbolos
coloridos e posteriormente tinham de reproduzir a sequência memorizada, com
recurso a uma caixa de resposta apropriada), na qual eram expostos a sequências
gramaticais, sem terem conhecimento desse facto. Na última sessão os participantes
foram informados de que as sequências que tinham visto na prova de memória
obedeciam a conjunto de regras complexo e foi-lhes pedido que classificassem um
novo conjunto de sequências, constituído por sequencias gramaticais e não
gramaticais. No fim de cada sessão, os participantes eram entrevistados no sentido de
se verificar se estes possuiam conhecimento explícito acerca das regras subjacentes às
sequências gramaticais.
Os resultados revelaram que não havia diferenças significativas no desempenho
dos disléxicos e dos dois grupos de controlo na prova de classificação de sequências. Este resultado indica que todas as crianças deste estudo extraíram as regularidades
dos estímulos ao mesmo nível. Foi ainda calculado um índice de discriminação (d’) que
também não diferiu entre os grupos. Apesar de não haver diferenças entre grupos, o
desempenho geral dos participantes foi mais baixo do que o esperado. Procedeu-se
então a uma análise individual do desempenho dos sujeitos e verificou-se que alguns
disléxicos apresentavam índices de discriminação bastante elevados. O mesmo padrão
foi observado nos grupos de controlo. Através das entrevistas pós-experimentais
verificámos também que os sujeitos não tinham conhecimento explícito acerca das
regras subjacentes às sequencias gramaticais. Todos estes dados levam-nos a concluir
que os disléxicos são capazes de extrair as regularidades implícitas de uma gramática
artificial ao mesmo nível que as crianças sem défices de leitura.
Os nossos dados levam-nos a supor que os diferentes resultados observados
nos estudos de aprendizagem implícita em disléxicos pode dever-se não só à grande
variação das provas utilizadas para avaliar a aprendizagem implícita (diferentes
paradigmas, com diferentes estímlos, diferentes comprimentos de sequências,
diferentes tipos de resposta e consequentemente com procedimentos experimental
diferente), mas também devido às características da amostra. Os critérios de inclusão
dos disléxicos nos estudos também diferem de um estudo para outro e muitas vezes
não há qualquer reavaliação das capacidades dos disléxicos. Simultaneamente as
diferenças individuais dentro do grupo dos disléxicos são também habitualmente
ignoradas. Estas diferenças individuais podem estar na origem desta discrepância de
desempenho apresentado pelos disléxicos nos diferentes estudos. Estudos futuros,
com maiores amostras de disléxicos e com uma avaliação mais detalhada das suas
características individuais podem clarificar esta questão.
Em suma, o nosso estudo revela que a capacidade de aprendizagem implícita
de gramática artificial está presente em crianças disléxicas. O ensino da leitura e os
programas de intervenção na dislexia podem explorar estas capacidades de
aprendizagem implícita preservadas nos disléxicos para auxiliar os processos explícitos
na aquisição das competências de leitura.
Description
Dissertação de mest., Neurociências Cognitivas e Neuropsicologia (Neuropsicologia), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Univ. do Algarve, 2011
Keywords
Neuropsicologia Dislexia Aprendizagem Gramática Aquisição da leitura Desenvolvimento